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Mark Chan on 29/4/2010
Marcus, nearly 20 years ago, it's an interesting article.




Ilha de Trindade Jose Coltro Jr., Marcus Coltro and Fabio Costa by Marcus Coltro
 

Trindade - não confunda com Trinidad e Tobago no Caribe - é uma pequena ilha com 13.5 Km² localizada a 1.600 milhas náuticas do Rio de Janeiro (20°30'34.72"S 29°19'34.17"E). É uma base da Marinha Brasileira com 60 marinheiros trabalhando no local em turnos de 3 meses. A cada três meses metade é trocada e mantimentos levados para a ilha (o Supermercado local não é muito bom...). Tem duas formas de se chegar lá: ou com sua embarcação particular com permissão especial, ou com a Marinha. Para ir com a Marinha basta se inscrever em uma longa lista e esperar ser chamado. Nosso amigo Bernardo Linhares de Salvador recebeu um convite de seu amigo Almirante José Aratanha para ir na expedição seguinte – como ele não poderia ir, nos repassou o convite! Levamos outro amigo junto, o biólogo Fábio Costa.

Dirigimos de São Paulo para o Rio de Janeiro para passar a primeira noite a bordo do Navio Faroleiro Almirante Graça Aranha, com 75 metros de comprimento e utilizado para fazer a manutenção da sinalização náutica na costa brasileira. Seria uma viagem bem longa, de três a cinco dias dependendo das condições meteorológicas e do mar.

Quando se embarca na condição de convidado em um navio da marinha, existem algumas regras a se seguir. Caso possua nível superior você pode ficar no alojamento próximo ao dos tripulantes superiores e fazer as refeições junto com eles. Caso contrário, você tem que ficar no alojamento dos outros tripulantes e fazer as refeições com eles. Não que a comida seja diferente, a mesma é servida a todos. Mas o alojamento não tem janelas e a ventilação é feita com pequenos ventiladores, as camas são bem próximas umas das outras, depois de deitar mal dá para se virar. Sem falar que fica na proa do navio – o lugar que mais balança. Lembra-se do filme Titanic, quando o personagem de Leonardo diCaprio abre os braços na ponta do navio? Pois é, neste caso a proa sobe e desce violentamente vários metros mesmo em mar calmo!

As refeições eram muito boas, nosso refeitório muito arrumado e tínhamos até mesmo um garçom nos servindo. Os marinheiros não tinham muito o que fazer após o segundo dia no mar – afinal, quantas vezes o deck pode ser lavado? E nós – bem, nossa rotina era assim: levantar cedo, tomar um Dramin com o café da manhã, conversar um pouco e voltar a deitar; Acordar para o almoço, tomar um Dramin, conversar um pouco e voltar a deitar; Acordar para o jantar, tomar um Dramin, conversar um pouco e voltar a deitar. Desta forma, todos nós – inclusive a tripulação – engordamos. Em uma das tentativas de ficar acordado pensamos em coletar espécies pelágicas (flutuantes) de conchas, como Cavolinidae e Janthinidae. Eu achei um balde velho de metal, tirei o fundo e prendi uma rede. Amarrei uma corda e perguntei ao marinheiro curioso qual era nossa velocidade – ao que ele respondeu 10 nós. Fiz cara de entendido (que bulhufas eram 10 nós?!??!) e joguei o balde ao mar. Por sorte eu estava usando uma luva grossa – a corda correu velozmente por minhas mãos e prensou a luva no suporte de ancoragem! Senti como se tivesse jogado uma âncora pela janela de um carro andando a 20km/h no asfalto. Foi difícil puxar o balde de volta – e quando chegou ele tinha virado uma pizza! Claro que não tinha nem sinal de conchas... Depois que verifiquei que todos meus dedos estão no lugar eu desisti e voltei para o quarto.

O mar esteve calmo a viagem toda (isso é, eu acho – dormi o tempo todo). Não tem como chegar próximo à terra em Trindade, o mar é muito agitado. Em nosso navio havia um helicóptero que transportaria os marinheiros e os mantimentos. Só depois descobrimos que isso era ruim – se não tivéssemos o helicóptero teríamos que usar uma balsa chamada Cabrita para fazer o percurso. Isso levaria até três dias versus 12 horas com o helicóptero.

Depois de três loooongos dias chegamos a Trindade. Somente ficaríamos uma noite no local, e nos instalamos na enfermaria – que era o único local vago. Como não é muito utilizada tivemos que fazer uma limpeza no pó e nas teias de aranha. Não sei se já contei, mas o José detesta aranhas...Bem, ele usou uma lata inteira de inseticida no banheiro para matar aranhas de um palmo de comprimento. Ele foi adentrando o banheiro e usando o spray – mas não percebeu que uma das aranhas da porta já estava morrendo e descendo pela teia, bem próxima às suas costas. Ele deu um pulo para trás quase aterrissando no colo de um dos marinheiros que estava se esborrachando de rir na porta!

A única forma de comunicação na ilha era por rádio – por voz ou código Morse (que era muito utilizado ainda). Um dos convidados pela marinha estava lá para mandar mensagens usando Código Morse (que coisa doida para se fazer, não? Bom, para eles nós também éramos doidos...). Hoje em dia eles tem uma cabine telefônica super disputada pelos habitantes. Celular, nem pensar (por que será, né?)

Ainda tínhamos um pouco de luz do dia então corremos para explorar os locais de coleta. Trindade é uma ilha vulcânica, com paisagens de tirar o fôlego. Formações geológicas com cores variando do negro ao laranja, passando por vermelho e amarelo. A flora também é única – das 124 espécies de planta, 11 são endêmicas. Uma das mais interessantes é a samambaia gigante (Cyathea delgadii) que vive na parte alta da ilha. Ali também se pode encontrar alguns descendentes de cabras introduzidas na expedição que trouxe o astrônomo inglês Edmond Halley em 1700. A única outra espécie de animal abundante na ilha é o caranguejo amarelo (Gecarcinus lagostoma)

O mar em torno da ilha é muito rico, várias espécies de tubarões, arraias e outros grandes cardumes de peixes podem ser encontrados o ano todo. O local também é o local de desova de tartarugas marinhas verdes - protegida por lei. A espécie de peixe mais comum é o Pufa (Balistes ssp) - nome derivado de Pufavor me pegue, muito voraz e come qualquer coisa. Um dos marinheiros colocou um pedaço de pão em uma cesta e a baixou ao mar. Um monte de Pufas entrou e ele içou. Ele pegou um deles, fez uns cortes com uma faca e jogou de volta ao mar. Os outros o devoraram em segundos! (ok, não precisa chamar o Greenpeace, eles não fazem isso o tempo todo)

Não levamos material de scuba, pois não haveria tempo para usá-lo. Fizemos um pouco de snorkel - mas a água era muito fria e conseguimos pouca coisa. Encontramos mais conchas na faixa de maré e na areia que coletamos usando uma draga manual no raso.

Como eu disse, o local tem paisagens fantásticas, mas é bem ter preparo físico para chegar aos locais. Tivemos que escalar encostas íngremes pisando em rocha vulcânica solta, mas valia a pena.

Eles tem um cemitério com algumas lápides - a maioria das covas está vazia pois nunca recuperaram os corpos. Antigamente o tempo de permanência era maior e os marinheiros sofriam com o isolamento. Alguns se suicidavam com tiros, outros se jogavam ao mar e serviam de comida aos tubarões.

Na manhã seguinte o helicóptero terminou de descarregar os mantimentos e os marinheiros que iriam ficar. E nos levou a bordo do navio para mais uma longa viagem de volta para casa. Três dias depois chegamos ao Rio.

Tiramos umas 200 fotos, entre papel e slides. Se fosse hoje seriam pelo menos mil fotos digitais!

 

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