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Jamaica by Marcus Coltro
 

A Jamaica é conhecida por sua rica fauna de conchas terrestres – quase 600 espécies descritas até hoje. Não sou muito chegado em entrar em florestas densas, mas sabia que seria possível encontrar bastante coisa próxima à beira das estradas. Dirigir em pequenas estradas de terra na Jamaica já seria uma aventura à parte – principalmente porque eles dirigem à esquerda. Um motorista de taxi local me ensinou uma forma de lembrar de ficar à esquerda: “driving on the right is suicide”.

É sempre importante lembrar-se de anotar com cuidado a localidade exata ao se coletar conchas terrestres, para depois facilitar na hora de identificar cada espécie. Eu pensei em comprar um GPS manual para poder anotar os dados com cada concha – e como precisava comprar outra câmera para mergulhar (a minha Casio Exilim pifou) eu acabei matando dois pássaros com uma pedrada: Panasonic Lumix DMC-TS3. Ela tem integrados GPS, bússola, altímetro, barômetro e é à prova d’água até 12 metros (há disponível uma caixa estanque que permite ir até 40 metros). Comprei online e testei em Miami – a foto dava as coordenadas geográficas e mostrava até o nome do condomínio!

O vôo entre Miami e Montego foi bem curto, uma hora e vinte minutos – estava lotado de recém casados indo passar a Lua de Mel na ilha. A previsão do tempo era de chuva e tempestades a semana toda – ótimo para encontrar conchas terrestres. Comprei um pacote na American Airlines que combinava hotel e carro, por um preço que seria a metade do normal em alta temporada. Fiquei no Sunset Beach Resort – um all-inclusive, ótimo quarto, piscinas e atividades o dia todo. Claro que não desfrutei de nada disso – até perdi a maior parte dos almoços já que chegava após o horário do fechamento da cozinha. (tudo bem, precisava perder peso mesmo)

No primeiro dia fiz snorkel das 3 à 5 da tarde – a luz estava fraca com o céu encoberto e lá pelas 5:30 já estava ficando escuro. A maior parte do coral estava morta e coberta de algas – um sinal de que a água estava poluída pela grande quantidade de hotéis na área. Acredito que há trinta anos ali deveria ser cheio de vida! Só encontrei corais vivos bem distantes da praia – onde os turistas ficavam com medo de ir. De qualquer forma quis tentar novamente no dia seguinte.

Levantei bem cedo e fui direto para a água após comer um café da manhã apressado. No que vi o sol brilhando percebi que havia esquecido meu capuz de mergulho. Fazia algum tempo que não mergulhava e minha pele branco-escritório iria sentir os efeitos do sol na nuca. Usei minhas habilidades de MacGyver e cortei um saco de tecido para transportar sapatos no formato de um capuz. Não ficou bonito, mas funcionou! Não encontrei quase nada, umas poucas Bursas, Astraea caelata (bonitas, perto da arrebentação onde quase me arrebentei), Arene cruentata, Fissurellas, Cymatiums e outras tranqueiras. Foi minha primeira tentativa de usar a câmera mergulhando – fiquei com medo de fritar logo de cara, mas funcionou bem. Depois de quase 5 horas mergulhando eu desisti e voltei para o quarto para me arrumar e sair à busca de conchas de terra. Ainda bem que não fui esperando encontrar muitas conchas marinhas!

Eu estava curioso para ver como a câmera identificaria o local – ela utiliza os nomes do Google Earth. Logo nas primeiras fotos no lugar do nome aparecia “Reading” (“Lendo” em português). Droga, será que a máquina não achou a localização? Dã.... depois que eu vi no mapa que o nome da cidade é Reading!

Fique à esquerda, Fique à esquerda.... pelo menos o micro Suzuky Swift tinha a direção do lado direito o que me fazia lembrar de ficar à esquerda. Até que me acostumei rápido desta vez, tirando o fato de tentar procurar o cinto de segurança do lado errado todas as vezes que entrava no carro, e de ligar o limpador de vidros ao invés do pisca-pisca. Apesar de ter comprado um mapa, eu aluguei um GPS e um celular na locadora do carro – não confio no meu péssimo senso de direção. Sai do hotel e fui para o oeste, entrei em uma estrada principal que corta a ilha – mas era muito movimentada e habitada, não tinha onde parar para procurar conchas. Voltei e continuei para o oeste, encontrei uma estradinha próxima ao Rio Flynn e lá eu pude parar o carro para procurar conchas. Achei várias espécies, mas estava garoando e escurecendo, tive que voltar para o hotel onde uma Margarita estava me esperando no bar.

Antes de sair do Brasil eu li sobre Windsor Cave – um grupo de cavernas de 3 km de extensão na província de Trelawny. Supostamente seria um dos melhores locais de coleta na ilha. Tentei ajustar o GPS do carro à noite, mas nem o aparelho sabia como chegar lá! Tive que pegar o mapa e procurar uma cidade próxima para colocar na Gisele (GPS é muito formal) então marquei Sherwood Content que ficava perto.

Depois de um café da manhã rápido saí com o carro. Minha intenção era a de parar no máximo de locais possível no caminho. Entrei em uma pequena estrada estreita e escura – assim que vi um local apropriado eu parei o carro perto de um barranco. Encontrei diversas conchas – e várias pessoas paravam seus carros para perguntar se eu estava precisando de ajuda. Bem diferente de Montego, como em toda cidade mais populosa as pessoas tendem a ficar alheias aos outros. Mais à frente um ciclista rastafári se aproximou e se apresentou como Thomas. Então ele tirou uma sacola das costas dizendo que teria algo para me mostrar – pronto, pensei – lá vem um delivery do Baseado-Express! Mas, não – ele tinha artesanato para vender. Para desconversar eu fui logo dizendo que não havia trazido muito dinheiro e que naquele momento não poderia comprar nada. Aí ele me perguntou o que eu estava fazendo ao que respondi que estava pegando conchas. E ele “ah, para usar como iscas?” – eu expliquei que estudava as conchas, e aproveitei para perguntar se ele sabia onde encontrar mais. Ele parecia interessado e me disse que sempre via conchas em folhas de bananeira – um sinal de que ele sabia do que estava falando. Eu sorri e voltei a fazer o que estava fazendo – depois de uns minutos ele voltou com as mãos cheias de conchas! Eu disse que se ele juntasse outras eu poderia comprar no dia seguinte. Anotei seu celular (sim, ele tinha um) e disse que voltaria no dia seguinte.

Finalmente cheguei em Sherwood Content (Content com o quê eu não vi) e perguntei como chegar a Windsor Cave. Me apontaram uma estradinha estreita, de terra e toda esburacada. Naquela hora me arrependi de não ter alugado um 4x4! Meu amigo Richard Goldberg disse que em suas expedições para a Jamaica teve vários pneus rasgados nessas estradas, mesmo usando carros apropriados para esse tipo de terreno. E lá eu estava, com um carrinho da Matchbox com pneus de bicicleta, entrando em uma estrada abandonada, dirigindo sozinho. (É bom poder escrever sobre estas aventuras tendo sobrevivido e estando no conforto de meu escritório...). Fui dirigindo devagar para não despencar com o carro em uma cratera, e tentei diversas vezes checar com a Gisele onde estava, mas ela não parava de repetir “Não sei onde estamos – por favor, leve-me para casa”. Finalmente cheguei à entrada de Windsor Cave – onde outro rastafári cuidava dos ingressos. Deve ser extremamente tedioso nesta época do ano – pela altura do mato no meio da estrada deduzi que eu devia ser o primeiro turista do semestre. O rasta cobrava 20 dólares para entrar no primeiro salão da caverna – o pior é que tive que colocar combustível e fiquei com 15 dólares no bolso! Eu perguntei se ele poderia me levar por 10 dólares só até a entrada e ele concordou. Eu nem poderia me aprofundar muito na caverna sem o equipamento necessário. Eu estava de chinelos e bermuda, digamos que não é o adequado.... Tirei umas fotos da entrada e preferi começar a voltar antes que o céu despencasse e eu ficasse preso naquele fim de mundo. Na volta encontrei uma plantação de bananas – e um punhado de conchas!

Dirigir do lado esquerdo cansa mais do que o normal – acho que faz com que uma parte inativa do cérebro comece a funcionar... Após enfrentar aquela estrada miserável novamente (só volto com um Land Rover) cheguei ao asfalto e segui as instruções da Gisele para voltar ao hotel (ao chegar suas palavras exatas foram “entre à esquerda no lobby, sente no bar e peça uma cerveja”). Fiquei satisfeito com o resultado do dia – pelo menos foi muito melhor que minha tentativa no mar pela manhã.

À noite liguei para o Thomas – como ele parecia confiável e seria bom tem um local comigo dependendo de onde fosse, eu decidi convidá-lo para ir comigo coletar no dia seguinte.

Na manhã seguinte encontrei com ele no ponto onde havíamos nos conhecido. Ele era totalmente Zen – ou queimou algumas células cinzentas com tanta maconha, não sei – mas me explicou um pouco o que era “rastafári”. Me disse que é mais um estilo de vida, e não uma religião como muitos pensam. São pessoas que decidem viver mais na natureza, sem se apegar a bens materiais em excesso. Ele faz artesanato e vende em uma barraquinha na beira da estrada, onde uma cooperativa aluga o espaço para várias pessoas. Só que nesta época do ano não tem muitos turistas então ele pôde me acompanhar.

A Jamaica é muito grande, não daria para cobrir a ilha toda em poucos dias, então escolhi no mapa alguns pontos onde poderia chegar através de pequenas estradas, como Brown’s Town e St. Ann. O Thomas logo se mostrou útil ao apontar um local que lhe parecia ser bom para conchas – e não é que ele estava certo? Encontramos várias espécies logo no começo da viagem.

Um pouco antes de Brown’s Town achamos uma pequena estrada – pavimentada, mas abandonada. Era encostada em uma colina o que impedia o vento de chegar – o sol estava esturricando o local. O Thomas adentrou a mata e eu fiquei procurando perto do asfalto (entendeu agora o porquê de eu convidá-lo?). Estava tão quente que eu poderia jurar ter visto um lagarto se abanando com uma folha. Apesar de estar meio tonto com o calor, consegui encontrar algumas conchas interessantes como Lucidella undulata – espécie que só encontrei naquele local, e em pequenos arbustos que cresciam no meio do asfalto.

Depois de Brown’s Town paramos e encontramos mais um punhado de conchas – para ser sincero eram muito parecidas entre si (eu não manjo muito de terrestres) mas eu sabia que o José saberia encontrar a identificação correta de cada uma. Deixei o Thomas em frente à sua barraquinha de artesanato, mas antes demos uma olhada nas árvores perto e encontramos outras conchas. E eu encontrei provavelmente o único pé de urtiga da ilha... estava agachado e relei a mão, ao me afastar com dor eu raspei meu joelho! Sem problema, ele não entendeu @!%#%*$#& em português.

Combinei de nos encontrarmos no dia seguinte para irmos a Negril, do lado oeste da ilha, e fui embora. Tentei dormir cedo – não foi fácil, já que tinham shows todas as noites e meu quarto era no segundo andar, logo acima do local onde as bandas tocavam. O que essas pessoas pensavam? Que era para se divertir o tempo todo no hotel? J

Na manhã seguinte busquei o Thomas e fui para o local perto do rio Flynn onde havia encontrado conchas dois dias antes. Pegamos várias espécies e o Thomas trouxe para o carro um maço de plantas – não “aquela” planta, mas algo que ele disse que era bom para as costas. Só não sei se ele iria esfregar a planta nas costas, ferver e beber, ou enrolar e fumar. Obviamente eu o avisei que não poderia levar nada no carro que fosse ilegal – a última coisa que eu queria era passar férias em uma cadeia na Jamaica....

Já na costa oeste passamos ao lado de uma praia com corais fósseis expostos pela maré – o Thomas pediu para eu estacionar para procurarmos por conchas, ao que respondi que ali não deveria ter nenhuma terrestre. Aí que me deu um estalo – eu havia esquecido por completo das conchas marinhas, se ele não me lembrasse eu nem pararia! Encontramos algumas conchas comuns, mas bem bonitas como Neritas e Littorinas. Logo em seguida na estrada vi um comando da polícia – eu já havia passado por outros antes mas não me pararam. Só que desta vez eu estava com um potencial “fornecedor” local comigo! Nos pararam e logo duas coisas me vieram à cabeça: será que aquela planta do porta-malas era inofensiva; e será que o Thomas não tinha nenhuma outra planta “medicinal” na sua mochila? Eles estavam procurando por armas e drogas - nos revistaram e pediram para abrir o porta-malas. Assim que ele viu o maço de plantas olhou para mim e eu dei de ombros – disse que era algo supostamente medicinal (e na minha cabeça: como seriam as celas dos presídios?). Ele se voltou para o Thomas que lhe respondeu em patuá (a língua local) alguma coisa e os dois deram risadas – eu também sorri amareladamente.... Nos deixaram ir e continuamos nosso caminho.

Chegamos em Negril – mas a vegetação não era tão verde e estava mais seca. Entrei em direção leste e para Little London, onde pegaria uma estradinha em direção ao norte, para Lucea. Outra meleca de estradinha, toda esburacada e passando no meio de uma plantação gigante de cana de açúcar. Havia pontos onde a cana raspava nas duas laterais do carro de tão estreita que a estrada era. Mas pelo menos chegamos a uma montanha rica em vegetação – e conchas!

Estava chovendo meio forte e eu ainda teria que levar o Thomas para a casa dele, voltar para o hotel, limpar as conchas (da próxima vez eu ensino o Thomas a limpar....), tomar um banho, jantar e arrumar as malas.

Meu vôo era às 7 da manhã, tive que chegar duas horas antes e devolver o carro na locadora - que obviamente estava fechada – assim deixei as chaves na caixa de devolução da locadora dentro do aeroporto.

No fim a viagem foi bem produtiva e consegui sobreviver a mais uma!

 

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